Podemos começar conhecendo um caso hipotético, que elucidará nossas abordagens tanto no âmbito do direito de familiarista, como no criminal:

 “João e Júlia casaram-se há 8 anos. Compraram uma linda casa com quintal e possuem dois filhos juntos. Embora no início do casamento tenham sido um casal feliz, após o nascimento do segundo filho, que deixou a Julia um tanto quanto sobrecarregada, indisposta e sem tempo para dedicar-se ao João, ele começou a descontar seus problemas do trabalho e a falta de disponibilidade de sua esposa, nela própria. Tornou-se “grosseiro” e desrespeitoso na forma de falar com seu filho mais velho e com sua esposa.

Júlia, sempre foi uma mulher independente, porém, após o nascimento do segundo filho, optou por cuidar da casa e da criação das crianças. Com o passar do tempo, a situação com seu marido foi piorando, de palavras rudes para empurrões, até que numa noite, após uma discussão entre o casal, o João lhe deu um soco, atingindo-lhe a face.

Júlia tinha muito medo de denunciá-lo por falta de conhecimento sobre como proceder. Somente após uma segunda agressão, em outro momento, em casa, duas semanas após a primeira agressão física, conversando com uma amiga e tendo seu apoio, ela teve coragem de denunciá-lo”.

Podemos perceber que situações como essa são bem mais comuns do que podemos imaginar. São casais que não sabem administrar as mudanças cotidianas e a chegada dos filhos. São de fatos como esses que podemos tirar lições jurídicas, como forma de conhecimento e informação, para aquelas mulheres da vida real, que como a Júlia, não devem ter medo de tomar a decisão de denunciar.

A primeira providência a ser tomada é ir a uma delegacia de polícia especializada no atendimento à mulher – a DEAM: Delegacia Especializada de Apoio (ou Atendimento) à Mulher. Essa unidade policial geralmente é composta por profissionais capacitados para atender os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. O que configura a violência doméstica e familiar contra a mulher é qualquer ação, ou omissão, baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, ou psicológico, dano moral ou patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, da família, ou em qualquer relação íntima de afeto, independentemente do agressor viver no mesmo teto. Caso no seu município não tenha uma DEAM, a delegacia comum pode fazer a ocorrência da violência doméstica e familiar.

A nossa personagem passou a viver uma relação abusiva com o seu marido, sofrendo violência psicológica, com a grosseria e o desrespeito frequentes verbalizadas pelo parceiro, e físicas, com os empurrões e socos. A união se tornou insustentável para toda a família, pois afeta, inclusive, as crianças.

Na delegacia, a autoridade policial (delegado/a), fará a inquirição sobre os fatos violentos para a elaboração do boletim de ocorrência. A Lei Maria da Penha destaca que esse depoimento deve ser o menos traumático possível, de modo a tentar manter a integridade psíquica e emocional da vítima. Dessa forma, o depoimento deve ser colhido, de preferência, com gravação, que será reduzida a termo (por escrito) e anexado ao inquérito policial, juntamente com a cópia da mídia de gravação. Se houver testemunhas, elas também terão seus depoimentos colhidos. Importante frisar que tanto as testemunhas quanto a vítima, ou seus parentes, não serão ouvidos no mesmo momento e ambiente que o agressor, nem poderão aguardar juntamente com ele ou qualquer outra pessoa vinculada ao mesmo. A vítima é proibida de entregar qualquer intimação ou notificação ao agressor.

O delegado deve encaminhar Júlia para o IML, entregando-lhe as guias para a realização de Exame de Corpo de Delito. Se fosse lesões mais graves, que necessitem de observação médica, encaminhará para o hospital ou posto de saúde, de modo a receber o tratamento especializado. Os laudos e prontuários produzidos em face desse atendimento por violência doméstica e familiar são provas a serem juntadas ao inquérito e ao pedido de medidas protetivas.

Outras providências podem ser tomadas pelo(a) delegado(a), como garantir proteção policial, caso necessário, devendo ocorrer a comunicação imediata ao juiz e ao Ministério Público; levar a vítima e seus dependentes a um abrigo ou local seguro, quando há risco de vida ou integridade física; acompanhar para a retirada de pertences ao local, colher provas, por meio de perícias, no local da violência, quando necessário; e informar os direitos da vítima, inclusive a assistência jurídica para eventual ajuizamento de ação de separação, de divórcio ou de dissolução de união estável.

A autoridade policial deverá, ainda, buscar a folha de antecedentes criminais do agressor e buscar por possíveis mandados de prisão em aberto ou outras ocorrências policiais contra ele. Será verificado se o agressor possui porte de arma de fogo, devendo o(a) delegado(a) notificar a ocorrência à instituição responsável pela concessão ou emissão do porte.

Enquanto essas diligências estão sendo tomadas na delegacia, a ofendida, no momento do registro do boletim de ocorrência, pode pedir medidas protetivas de urgência, devendo a autoridade policial remeter este pedido ao juiz do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, dentro de 48 horas, em expediente apartado dos autos do inquérito policial, para a concessão das medidas protetivas solicitadas. Esse pedido acompanha qualificação da vítima e do agressor; nome e idade dos dependentes (algumas medidas são estendidas a eles); breve relato sobre os fatos violento e das medidas protetivas solicitadas; indicar se a ofendida possui alguma deficiência, se esta condição foi agravada pela violência sofrida ou se surgiu após o ato criminoso; cópia de todos os documentos obtidos inicialmente, inclusive laudos, bem como daqueles disponibilizados pela ofendida e do boletim de ocorrência.

A única medida protetiva que o delegado pode determinar é o imediato afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, apenas quando o Município não for sede de comarca (não tem fórum/juiz), quando há risco atual ou iminente à vida ou integridade física ou psicológica da mulher. Nesse caso, terá o prazo de 24 horas para cientificar o Ministério Público e, ao mesmo tempo, comunicar o juiz da comarca mais próxima, que decidirá se mantém ou não a referida medida. O mesmo ocorre quando o policial aplica essa medida protetiva, nas mesmas circunstâncias (se o Município não for sede de comarca) e se não houver delegado disponível no momento da denúncia daquela situação de violência. Caso contrário, somente o juiz pode aplicar medidas protetivas de urgência.

– MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

Ao receber o expediente com o pedido da vítima sobre as medidas protetivas, o juiz terá 48 horas para decidir sobre as mesmas e comunicar sua decisão ao Ministério Público.

As medidas protetivas de urgência que podem ser aplicadas, de forma isolada ou conjuntamente, com ou sem força policial, a depender do caso, pelo juiz, são:

  • Se o agressor possui porte de arma de fogo, o juiz determinará a apreensão da arma e a suspensão do porte de arma, por meio de comunicação ao órgão ou instituição ou corporação responsável. Caso o superior hierárquico não cumpra a ordem judicial, poderá responder pelo crime de prevaricação ou desobediência;
  • Proibição de aproximação, com limite mínimo de distância, podendo haver uso de dispositivos de monitoramento (tornozeleira eletrônica ou botão do pânico), que serão custeados pelo agressor, desde que não prejudique o sustento da família ou atinja o patrimônio da vítima e dependentes;
  • Proibição de contato por qualquer meio de comunicação e de frequentar os mesmos lugares;
  • Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, após parecer de equipe multidisciplinar ou serviço similar;
  • Pagamento de pensão alimentícia provisória ou provisionais, buscando manter a capacidade financeira alimentar da vítima e de seus dependentes;
  • Comparecimento do agressor nos programas de recuperação e reeducação;
  • Encaminhar a ofendida e seus dependentes a casas de acolhimento ou abrigos, quando ela não tem para onde ir;
  • Recondução da vítima e seus dependentes para seu domicílio, após o afastamento do agressor;
  • Afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
  • Separação de corpos;
  • Matrícula ou transferência dos dependentes para escola próxima do domicílio da agredida, independentemente de existência de vagas, tendo a instituição dever de sigilo (só o juiz pode saber e compartilhar a informação com o Ministério Público, Defensoria Pública, órgãos de assistência social em casos de violência doméstica);
  • Proteção patrimonial, não podendo o agressor realizar contratos de compra e venda e locação de propriedade, salvo autorização do juiz, bem como suspensão das procurações eventualmente assinadas pela mulher agredida conferidas ao agressor; e
  • Prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a ofendida.

As medidas protetivas elencadas na Lei Maria da Penha não excluem outras medidas previstas em outros dispositivos legais, podendo ser aplicados ao mesmo tempo.

Se o agressor desrespeitar qualquer das medidas determinadas pelo juiz, responde pelo crime de descumprimento de medidas protetivas (art. 24-A, Lei 11.340/2006), com pena de 3 meses a 2 anos, não podendo o delegado arbitrar fiança, nos casos de prisão em flagrante, nem podendo ser aplicado a lei 9.099/98.

As medidas protetivas elencadas na Lei Maria da Penha não excluem outras medidas previstas em outros dispositivos legais, podendo ser aplicados ao mesmo tempo.

Importante frisar que os crimes cometidos por meio da violência doméstica e familiar não podem ser substituídos por penas exclusivamente pecuniárias ou de multa, nem pagamento em cestas básicas. A vítima não poderá “retirar a queixa” na delegacia: esse ato só ocorrerá na presença do juiz, antes do recebimento da denúncia (petição inicial da ação penal, elaborada pelo promotor de justiça). Caso ele entenda que ela está sendo forçada ou coagida a renunciar a representação contra o ofensor, desconsiderará tal pedido e a ação tramitará normalmente.

Após a decisão de denunciá-lo, o próximo passo será referente ao divórcio, após a mudança da Lei 11.340/2006 (Lei da Maria da Penha), ocorrer mudanças relacionadas ao divórcio que seria importante a sociedade, principalmente vítimas de abusos, terem conhecimento.

As medidas protetivas elencadas na Lei Maria da Penha não excluem outras medidas previstas em outros dispositivos legais, podendo ser aplicados ao mesmo tempo.

O divórcio de mulheres – que foram expostas a situação de violência doméstica – corre prioritariamente, sendo assim mais célere, embora ainda seja dentro das varas de família. É importantíssimo lembrar que houve também outra grande alteração no processo civil, que a Lei Maria da Penha trouxe, de que a mulher pode ajuizar a ação em seu domicílio, o que é diferente do normal, pois seria no domicílio do réu, ou do último domicílio do casal.

Diferentemente do que a sociedade e pessoas desinformadas passam é que você não perde seus direitos, principalmente bens imóveis, por sair da sua casa, configurando o abandono de lar. Em casos de violencia doméstica, não configuraria, pois é um direito da mulher sair de casa, mudar de cidade ou estado. Então não tenha esse medo, devido ao regime de bens seja do casamento ou de união estável, você terá direito a 50% dos seus bens comprados após o casamento, seja carros, casa, apartamento e bens de alto valor.

Outra preocupação que a Júlia, no caso fictício narrado, devia ter, era em relação aos seus filhos – caso ela fique com os filhos – após decretada a medida protetiva, poderá o pai informar uma pessoa a seu critério na Ação de Guarda e Regulamentação de Visitas, porém a mãe terá que se sentir à vontade em deixar seu filho com essa pessoa, e a mesma levará para o pai, já que o genitor/abusador não poderá se aproximar da vítima, conforme falado acima.

A medida protetiva, seja em âmbito criminal ou de família, é usado para proteção da vítima, para evitar de todas as formas a permanência em uma situação de risco que mulheres são expostas diariamente. Por isso, não fique intimidada, denuncie. Você não está sozinha, tem grupos de apoio, advogadas e outras mulheres dispostas a te ajudar a denunciar e a passar por cada uma dessas etapas, de forma menos dolorosa possível.

Co-autoria:
Dra. Mariana Oliveira dos Santos
Advogada Criminalista
Pós-Graduada em Ciências Criminais pela UFBA (Universidade Federal da Bahia)
Instagram: @mariana_oliversantos

Dra. Milena Maciel de Sousa Cavalcanti
Advogada Familiarista
Espercialista em Direito de Família e Educacional
Sócia proprietária do Escritório Cavalcanti e Rodrigues
Instagram: @cavalcantimilena_

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